domingo, 4 de janeiro de 2015
Da pirataria ao estrelato – A inacreditável história da Projekt RED
Prontos para um orgasmo?
Já diria meu avô “Deus ajuda aos audaciosos, trabalhadores, honestos e sonhadores. Una essas quatro qualidades e você vencerá na vida”, sendo um ensinamento que pretendo levar comigo e também passar adiante. Esta frase cai perfeitamente para a história do CD Projekt RED, um estúdio polonês que aparentemente “não tinha como dar certo”, porém fez o impossível virar possível, e hoje é referência de qualidade com a série de jogos The Witcher, ganhando elogios até do Barack Obama. Essa é daquelas histórias que servem como exemplo para quem não investe em seus sonhos com medo de não dar certo.
O líder do estúdio é Marcin Iwinski, que nos anos 80 era um pré-adolescente apaixonado pelo ZX Spectrum trazido pelo seu pai de uma viagem ao Reino Unido, sendo uma espécie de PC que rodava jogos 8bits em fitas cassetes. Curiosamente, na época ainda reinava a Guerra Fria, e como a Polônia era uma província socialista da União Soviética, não havia a possibilidade de achar os jogos nas lojas de lá, e era uma enorme burocracia sair do país. A sorte de Iwinski é que seu pai era um documentarista, e portanto podia sair da Polônia a trabalho, e durante suas viagens, comprava os jogos eletrônicos.
A medida que o tempo foi passando, Iwinski foi querendo cada vez mais jogos e seu pai não podia corresponder. O jeito foi adquiri-los através do mercado negro (modo elegante de dizer pirataria), sendo que na época não existiam leis de copyright para protegê-los, sendo uma espécie de “pirataria legalizada” naquele país, onde qualquer autoridade fingia que não existia. Aliás, abro aqui um parágrafo para os mais ‘novinhos’! No Brasil passamos pelo mesmo problema na época da ‘Reserva de Mercado’, os jogos só chegavam aqui por meio da pirataria de fitas cassetes e disquetes. A maioria dos computadores e até videogames também eram clonados por empresas brasileiras, na cara dura mesmo. Não tivemos um ZX Spectrum ou MSX oficial, e sim clones criados por empresas como Microdigital e Gradiente. Até mesmo o Nintendinho nacional era clonado. Foi uma época bem NEGRA na história da computação e dos videogames aqui no Brasil, mas felizmente passou.
De consumidor a fornecedor, eventualmente Iwinski resolveu entrar no mercado negro, e passou a distribuir jogos do ZX Spectrum ao conseguir contato via carta com um grego que aceitou copiar os lançamentos do videogame. Era uma diferença de duas semanas entre o lançamento do jogo e a chegada as mãos de Iwinski – “Na época fiquei extremamente feliz. Cheguei ao mercado de computadores e ‘da noite para o dia’ era um grande astro. Levava os principais lançamentos antes de todo mundo” – diz em entrevista a Eurogamer.
Com o sucesso, decidiu que ia fazer um curso técnico de computação ao se graduar no que conhecemos por aqui como Ensino Fundamental. Na época ele foi reprovado nos exames, então ele ingressou no curso de Física Matemática, e acabou por conhecer um cara que virou seu melhor amigo, com uma carreira praticamente idêntica a dele, só que vendendo jogos do Atari: Michael Kicinski. Ambos faltavam constantemente as aulas para ficarem jogando, e assim surgiu uma parceria que existe até hoje.
No início dos anos 90 emergiu a revolucionária mídia em CD, que conseguia armazenar uma quantidade de informação equivalente a mais de quatrocentos disquetes, e que também era fácil de clonar. Alie isso ao fim da Guerra Fria facilitando a importação de produtos, e de quebra ainda não existia legislações contra a pirataria, sendo a “brecha” para registrarem uma micro-empresa em cartório que distribua jogos alternativos. E assim, no ano de 1994 surgiu a CD PROJEKT (Projeto CD), clonando e distribuindo jogos famosos da época. Acontece que ninguém sabia que ambos só tinham dois mil dólares para investir na empresa e que o “escritório” era um quarto cedido por um amigo de ambos.
Cinco anos depois, conseguindo juntar algum dinheiro no mercado pirata, eles acharam melhor seguir o caminho da legalidade, sendo o único modo de entrar no cenário mundial. Com a decisão tomada, a situação se inverteu, e justamente o mercado negro que impulsionou a carreira de ambos, passou a ser o principal inimigo a ser vencido, afinal o pensamento era óbvio: “Como faremos com que o consumidor compre o produto original, se eles podem conseguir um pirata mais barato?”. Foi aí que veio um dos movimentos mais arriscado da dupla: investir praticamente todo o orçamento da empresa num jogo que estava fazendo sucesso no mundo inteiro: Baldur´s Gate.
Na época, os dois pagaram a quantia de trinta mil libras (cerca de cem mil reais) a Interplay para poderem distribuir três mil cópias do jogo. Gastaram mais trinta mil libras para contratar dubladores famosos para impulsionar as vendas; traduziram todos os textos para o russo, visto que muitos jogadores não entendiam inglês; incluíram mapa do jogo; CD com a trilha sonora e caixa em material de qualidade. De quebra, Baldur´s Gate foi escolhido por possuir cinco CDs, ficando caro também na pirataria. Desse modo, os piratas vendiam por 15 libras ( cerca de 55 reais ), e a CD Projekt vendia por 30 ( cerca de 110 reais).
A estratégia deu certo, e as três mil cópias foram esgotadas três meses antes do lançamento. Na segunda leva licenciaram cinco mil, que em pouco tempo virou sete mil, oito mil, até que eles resolveram arriscar e licenciaram dezoito mil cópias de uma vez. A quantidade era tanta que eles precisaram adquirir um galpão para comportar todos os jogos. Com o grande sucesso do jogo original, em 2001 a Interplay entrou em contato para ambos distribuírem a sequência: Baldur´s Gate: Dark Alliance. Só que aí veio mais um desafio, pois o jogo era exclusivo para consoles, e na Polônia a distribuição de videogames era praticamente nula. A solução foi entrar num novo território: converter um jogo de console para PC.
Ambos contrataram um jovem chamado Sebastian Zielinski, que anteriormente havia feito uma versão pirata de Return of Wolfenstein, conhecido lá comoMortyr para ajudar na conversão. Logo em seguida contrataram Adam Badowski, um roteirista de filmes para ajudar a escrever textos, e atual líder do estúdio.Enquanto os funcionários da CD Projekt desenvolviam a conversão, a Interplay telefonou rompendo o contrato, motivada por uma crise financeira.
O sentimento de decepção foi inevitável, mas já diria Winston Churchill: “O otimista vê na dificuldade uma oportunidade”, e foi este pensamento que fez a equipe tomar a decisão de modificarem o projeto e produzirem o primeiro jogo inteiramente deles. Como a audácia sempre fez parte da filosofia da empresa, se inicia mais um projeto ambicioso: fazer um jogo do fenômeno The Witcher, uma série de livros que é considerado “O Senhor dos Anéis polonês”, sendo que seu autor, Andrzej Sapkowski é um ícone nacional, com sua obra adaptada para cinema e TV.
Marcin Iwinski foi se encontrar com Sapkowski pessoalmente para convencê-lo a vender os direitos da obra. Sapkowski não era um homem de negócios, era apenas um escritor, que aparentava não estar muito empolgado com a ideia, mas disse “Faça-me uma oferta”. Iwinski propôs uma quantia não muito alta, mas sendo o que ele podia pagar pelos direitos, e Sapkowski acabou aceitando a quantia. Com o acordo fechado, era hora de começar a produzir o jogo, mas eles não faziam a menor ideia de como começar.
Depois de inúmeras tentativas, a primeira demo do jogo foi finalizada cerca de um ano depois, mas o roteirista Adam Badowski dizia que o jogo estava “uma lata de lixo” e que nenhuma produtora aceitaria. A dupla Iwinski e Kicinski resolveu ir as distribuidoras europeias mesmo assim, mas nenhuma aceitou o projeto. O stress tomou conta do grupo, e Sebastian Zielinski que além de programador, era o chefe do projeto, pediu demissão. As coisas não estavam nada boas, mas Kicinskiresolveu liderar a equipe, e deu uma de “maluco”: resolveu chamar pessoas comuns para trabalharem no projeto, com absolutamente zero de experiência no desenvolvimento de games. A equipe de quinze pessoas se transformou em cem, e todo mundo aprendia tudo dentro dos estúdios “botando a mão na massa” e ouvindo conselhos uns dos outros.
A BioWare, desenvolvedora do Baldur´s Gate que foi um fenômeno na Polônia graças ao CD Projekt, resolveu ajudá-los cedendo a engine Aurora, bastante sofisticada para a época com belos gráficos em 3D e efeitos de luz e sombra. Eles ainda propuseram um estande na E3 caso a demo ficasse numa qualidade desejável utilizando essa engine. Dito e feito, e então o The Witcher foi parar na E3 de 2004. Por fim, indo contra todas as previsões iniciais, o jogo foi lançado só em 2007, demorando cinco anos para ser produzido, custando vinte milhões de zlotis (cerca de 14 milhões de reais), representando cerca de 110% do orçamento que eles tinham (os 10% vieram de empréstimos que fizeram ao banco). Ficaram literalmente sem um centavo e ainda deveram, somente o sucesso do jogo poderia salvá-los. Ou seja, era tudo ou nada.
A competência do jogo era evidente, tendo uma qualidade técnica visível em todos os segmentos, utilizando elementos de RPG de ação e hack and slash, mas com um estilo bastante original, excelente trilha sonora, longevo, belíssimos gráficos, em suma: bom em tudo. The Witcher foi sucesso de público e crítica, vendendo cerca de dois milhões de cópias, e levando a obra do autor polonês a ser conhecida no mundo inteiro. Quatro anos depois foi lançado uma sequência, considerada uma enorme evolução em relação ao primeiro, rendendo cerca de cinquenta prêmios para a empresa, vendendo o dobro do original, e ainda ganharam uma declaração pública do presidente norte americano Barack Obama:“Confesso que não sou muito bom em jogos eletrônicos. Mas me contaram que este é um grande exemplo do lugar da Polônia na nova economia global e que é um tributo aos talentos e éticas trabalhistas do povo polonês”. Curiosamente, Obama disse que nunca jogou o jogo.
Atualmente estão produzindo o terceiro que ao que tudo indica fechará a trilogia e promete ser 35 vezes maior que o The Witcher 2. Além disso, eles também estão desenvolvendo um outro jogo sem previsão de lançamento: Cyberpunk 2077, que também será um RPG de ação, mas focado num público adulto pelo tom sério, se passando num mundo futurístico distópico (inverso de utópico), onde a tecnologia degenerou os humanos. Parece que este jogo além de ter uma história dramática e questionadora, terá um largo sistema de customização de personagens que estarão diretamente conectados a história através de um sistema de classes, além da possibilidade em alternar a câmera para primeira ou terceira num jogo de RPG. Parece audacioso? Pois esta é a marca registrada daCD Projekt.
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Matéria originalmente publica no GameHall. Curtiu? Só motivos para admirarmos ainda mais a CD Projekt RED.
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